terça-feira, 20 de outubro de 2009

Revista Rock Brigade - Nº 136 - Novembro de 97





MAIS POVÃO QUE NUNCA!

Quebrou a cara quem esperava que o Raimundos iria adocicar seu som por causa do sucesso que os caras alcançaram nos últimos dois anos. Lapadas Do Povo, o novo álbum, traz a banda mais porrada que nunca, com várias faixas altamente hardcore (veja resenha no final desta matéria). Rodolfo (vocal), Digão (guitarra), Canisso (baixo) e Fred (bateria) encontraram com a Brigade para mais um bate-papo, no início de outubro, para falar do disco novo, da treta do Monsters of Rock 96, da temporada na Califórnia etc.

Rock Brigade - É mais do que óbvio que todo mundo esperava o Raimundos mais leve para esse álbum. No entanto, vocês fizeram justamente o contrário. O que aconteceu?

Canisso - A banda já tem nome, um público assegurado, poderíamos escolher fazer algo mais 'soft', de fácil digestão. No entanto, somos parte dessa galera que vai nos ver, que curte som pesado, que vai ao show de Pantera e Sepultura. Esse álbum é uma forma de respeitar essa galera, o gosto dela. Fizemos esse disco para esse pessoal, não importa quantos discos vá vender. Não queremos vender um milhão de CDs, ninguém aqui quer virar Skank. Temos consciência de onde viemos e temos muito respeito pelo nosso público.

RB - Esse peso todo é reflexo da atual fase criativa da banda ou das circunstâncias da gravação do álbum?

Rodolfo - Até o Lavô Tá Novo, conseguimos fazer os discos em dois meses, pois metade deles já estava composta. Para esse novo, quando entramos em estúdio, não tínhamos nada pronto. Antes, estávamos ensaiando e compondo no estúdio que está sendo montado na casa do Canisso. A bateria era uma eletrônica do Fred e não tinha equipamento nenhum para o vocal. Eu cantava 'ao vivo', sem nada.

RB - Vocês gravaram tudo nesse estúdio?

Canisso - Parte da gravação foi feita lá e a maioria das músicas nem tinha letra ainda.
Rodolfo - Tem música que a gente ainda nem tocou junto! (risos) Só que, sinceramente, nunca mais eu faço isso, pois, se não fosse a colaboração de todos, não sei como isso iria sair não. A banda toda compôs nesse disco.
Canisso - Se a gente tivesse mais tempo, sairia ainda mais porrada. Várias vezes a gente chegou a achar que não iria dar tempo, mas fomos em frente e cumprimos tudo que estava programado.

RB - O fato de finalizar o trabalho em Los Angeles, isolado de tudo, ajuda ou atrapalha?

Rodolfo - Para a gente se concentrar, ajuda muito, pois só pensamos na música o tempo inteiro. Nós passamos três meses em Los Angeles e não saímos quase nunca à noite. Uma vez fomos num show do Suicidal (Tendencies) e outra fomos ver o Ozz-fest. O resultado disso tudo foi que esse disco é muito sincero.

RB - Isso se refletiu também nas letras?

Canisso - Com certeza. Se você prestar atenção, vai ver que não tem mais palavrão gratuito. Ainda tem um pouco de nossa sacanagem habitual, mas isso já faz parte da gente.
Digão - Esse disco nem tem palavrão!
Canisso - Tem "cagar", "peidar", "merda", "filho da puta"... Uns palavrões mais "leves" (risos), mas inseridos num contexto.

RB - (P/ Digão) Você gravou as partes de guitarra com equipamento do Steve Vai. Como rolou esse lance?

Digão - O som que eu estava tirando lá (no estúdio de Los Angeles) não estava saindo muito legal. Aí, o cara que trabalhava no estúdio conversou com o Steve Vai e disse que uma banda brasileira estava gravando e o equipamento não estava respondendo muito bem. Foi então que o Vai emprestou um SansAmp e um 'speaker simulator'.
Rodolfo - Quando o Digão testou o equipamento ele até tremeu! (risos) Ele emprestou sem cobrar nada!

RB - Isso gerou uns riffs absurdamente pesados no CD.

Digão - E gravei só uma dobra!
Canisso - E depois comprou uma guitarra igual à do Cheap Trick (risos).

RB - Como é que foi essa história?

Digão - Foi uma Explorer, da Hamer, que só tem 200 exemplares no mundo. A gente passou uma tarde na Guitar Shop (loja de instrumentos musicais de Los Angeles) testando guitarras, até encontrarmos a que eu queria.
Canisso - Eu comprei um baixo igual ao do cara do Green Day, que passei quase dois meses "namorando" até decidir comprar. Eu comprei quando a loja fez uma grande promoção e o preço caiu para menos na metade.

RB - As famosas "faixas de trabalho", aquelas que rolam nas rádios, normalmente são as mais leves do álbum. Só que Andar Na Pedra, que está nas rádios rock, é bem porrada para os padrões de "faixa de trabalho". A escolha dessa música foi de vocês?

Digão - Foi escolha nossa e do Muniz (empresário da banda).
Rodolfo - Essa música tem uma história interessante. Há muito tempo, eu e o Digão fomos para uma fazenda e fizemos Puteiro, Cintura Fina (ambas do primeiro álbum do Raimundos) e Andar na Pedra, que só agora estamos usando.
Digão - Essa música retrata bem o caminho que o Raimundos percorre, pois seria facil nós cairmos para o lado comercial da coisa...
Canisso - Mas não queremos seguir fórmulas manjadas de reggaezinho, rock engraçadinho, etc.
Digão - Por isso, mesmo que nossos pés estevam doendo, preferimos percorrer o caminho das pedras.

RB - A música Bonita tem um pique mais "Ramones-de-rádio", daquelas que a galera canta junto nos shows. Ela não seria também uma boa faixa "de trabalho"?

Digão - A Bonita é linda, né cara? (risos)

Fred - O Rodolfo compôs num momento de saudade, quando estava em Los Angeles. Todo mundo tinha levado alguém da família ou namorada, só ele que não.
Rodolfo - (meio sem graça) Tá certo que houve essa "inspiração" sim, mas nós já tínhamos intenção de fazer a música desse jeito.

RB - A letra de O Toco fala de umas situações estranhas que parecem ter sido realmente vivenciadas por vocês. Elas são baseadas em fatos verídicos?

Rodolfo - Uma vez, saindo de um show, tinha uma galera correndo atrás da van em que a gente ia. Estava escuro, o motorista dirigindo rápido, passava por portões e mais gente aparecia. Pareciam mortos-vivos de filme B! (risos) Depois, o Fred teve um sonho esquisito que não conseguia lembrar direito. Resolvemos juntar as duas coisas e fazer uma história só, como se ele tivesse sonhado a "fulga dos zumbis".

RB - Como pintou a escolha do cover do Elvis Costello (Oliver's Army) que, a princípio, não tem nada a ver com o Raimundos?

Canisso - A gente só ouviu essa música duas vezes...
Fred - Desde o Lavô Tá Novo que o Mark (Dearnley, produtor) insistia pra gente gravar essa faixa, pois ele "ouvia" na cabeça dele a gente tocando essa música do nosso jeito.
Rodolfo - A gente ouviu e sacou que aquilo ali era Ramones puro, rock'n'roll básico. Aliás, eu não consigo deixar de ser cover de Ramones mesmo! (risos)
Fred - Quando eu ouvi essa música pela primeira vez, pensei: "O Joey (Ramone) deve ser fã de Elvis Costello". E era mesmo! Hoje, acontece até o contrário, pois o cara se tornou grande fã do Joey.

RB - Falando de Ramones, a versão para Ramona, batizada de Pequena Raimunda, ficou excelente, com uma letra muito divertida.
Digão - E se alguém vier falar que parece com Mamonas (Assassinas), quero lembrar que essa música foi feita em 1988!
Fred - Essa música foi feita antes de eu entrar na banda, por isso não tinha meu nome no primeiro verso.
Rodolfo - Era assim: (cantando) "Olha só o Rodrigo (...) Rodolfo e Canisso". Nessa paradinha do meio, nós encaixamos o nome do Fred. Essa música a gente já cantava na época que éramos Ramones Cover (nessa hora, a banda sem querer "entrega" outra versão em português para outro som do Ramones, possivelmente Sheena Is a Punk Rocker, que deve estar num futuro álbum). Algumas vezes, fui gravar Pequena Raimunda quando estava deprimido e triste, por isso, cheguei a detestá-la. Hoje, gosto muito dessa música.

RB - No final dessa música, tem aquela entradinha de Surfin' Bird, que era a música seguinte no disco original do Ramones. Como pintou a idéia de deixar essa introdução?

Rodolfo - Toda vez que acaba Ramona, a gente fica esperando pela entrada de Surfin' Bird. É automático.
Fred - Quando a gente estava escutando essa música pra tirar, sempre sobrava essa entrada de Surfin' Bird na fita. Resolvemos gravar assim também.

RB - Em Baile Funky, a bateria está pesadíssima, cheia, altamente metal mesmo...

Fred - (interrompendo) É a mesma bateria de Andando Na Pedra. Eu estava escutando um disco do Primus e fiquei impressionado com a bateria, especialmente uma música que era bem "ambiente", bem cheia. Falei com o Mark e acabamos usando algo naquela linha em Baile Funky e Andar na Pedra.

RB - A última faixa é um amontoado de barulhos intitulada Bass Hell. Qual o motivo de incluí-la?
Rodolfo - Ela tem um propósito específico. Mas vai ser surpresa.

Fred - Quando começamos a fazê-la, o Digão sugeriu colocar aquele bumbo do Kiss (de I Love It Loud) com um refrão gritando "Vamos gravar essa merda". Ficou muito legal.

RB - Nos agradecimentos de Lapadas do Povo, vocês lembram o pessoal que está longe do Brasil, tentando ganhar a vida em outro país. Isso foi resultado do contato com brasileiros na Califórnia?

Rodolfo - Quando fomos mixar o Lavô Tá Novo, em Santa Bárbara (Califórnia), visitamos alguns amigos de infância que estavam morando lá. Foi muito legal, estavam todos felizes...
Canisso - O único problema é a falta do feijão com arroz, pois neguinho lá só come hambúrguer.
Rodolfo - Agora, quando voltamos lá pra trabalhar no disco novo, os caras estavam morando em lugares menores, mais apertados, sem mulher, com neguinho há oito meses sem saber o que era beijar na boca! (risos) Uma ralação! Por isso, colocamos aquilo no encarte.

RB - O que mudou na vida de vocês desde os tempos de Ramones Cover até hoje, que vocês são reconhecidos nacionalmente?

Canisso - No lado pessoal, a gente não mudou nada.
Rodolfo - Mas, profissionalmente, aprendemos muita coisa. Estamos sempre melhorando, evoluindo, tentando não dar as mesmas cabeçadas.
Canisso - O que está diferente mesmo é que mudamos de Brasília para São Paulo e hoje somos paulistas, (imitando o sotaque paulistano) certo? (gargalhadas gerais)
Rodolfo - Estamos levando outra vida. Tá todo mundo sossegado.

RB - No palco mudou bastante também, pois tive oportunidade de ver show do Ramones Cover em Brasília e, hoje, o Raimundos é bem mais profissional.

Rodolfo - Sem dúvida. A gente foi aprendendo com o tempo, mas ainda temos muita coisa para melhorar. Hoje, eu curto bem mais estar num palco do que antes.

RB - No 'Philips Monsters of Rock' de 96, houve uma polêmica entre os leitores da RB, que não acharam justo bandas como Helloween e Mercyful Fate, que nunca tocam no Brasil, se apresentarem à tarde, enquanto o Raimundos subiu no palco à noite, com quase 100% da luz e do som. Como a banda vê esse episódio agora, um ano e meio depois do acontecido?

Rodolfo - Essa história pode ser vista de duas formas diferentes. As bandas gringas têm toda uma estrada e merecem estar tocando no final. Por outro lado, as bandas nacionais nunca tiveram essa chance, a não ser Sepultura e Paralamas. Nos anos 90, acho que foi a primeira vez que um grupo nacional tocou com toda aquela iluminação. Me desculpe quem achou que não deveríamos tocar nessa condições por "respeito" aos conjuntos estrangeiros, mas isso deveria ser motivo de orgulho pro Brasil.
Canisso - Além do mais, se o lance é a ordem que as bandas tocaram, não foi junto deixar o Mercyful Fate tocando de tarde, no sol, e o Skid Row à noite. Não estou nem falando do Raimundos. A merda do Skid Row foi literalmente enxotado do palco, mas tocou em melhores condições que o Mercyful Fate.

RB - Nesse dia, vocês também tiveram problemas com a passagem de som, certo?

Rodolfo - Os caras foderam a gente na passagem de som.
Canisso - Na época que demos aquela entrevista pra Rock Brigade (ver nº125), ainda estávamos com aquele episódio todo muito fresco em nossa cabeça.
Fred - A gente está acostumado a tocar em qualquer situação, não subimos ao palco pensando se estávamos abrindo ou fechando para alguma banda gringa.
Rodolfo - Hoje, quando vejo vídeos daquele show, fico até emocionado de nos ver tocando naquele palco do Iron Maiden.

RB - Vocês ainda mantêm contato com o pessoal contemporâneo de vocês, como Little Quail, Os Cabeloduro, DFC etc.?

Fred - Aonde a gente vai, acaba encontrando com o pessoal do Little Quail. É incrível! Também estamos tendo bastante contato com a galera dos Cabeloduro, pois eles também estão morando em São Paulo. Minha casa em SP já foi uma espécie e embaixada brasiliense. Teve época que tinha 15 neguinhos na casa! (risos)

RB - Como rolou a apresentação no programa da Xuxa?

Fred - Quem não tem o sonho de conhecer a Xuxa?
Rodolfo - Em matéria de marketing, isso não significou muito pra nós porque nosso público não assiste a Xuxa. Foi mais uma realização nossa mesmo. Inclusive, a segunda vez foi ela quem nos chamou.


Lapadas do Povo
(Wea - nac.)

O primeiro disco foi uma pérola, o segundo caiu no gosto do povão, o terceiro foi um box especial, o quarto tinha tudo para vir mais comercial e fazer do Raimundos uma banda de 'Domingão do Faustão'. Pois os caras goiabaram e fizeram exatamente o contrário. Lapadas Do Povo é o álbum mais porrada do conjunto, com algumas faixas beirando o hardcore puro que se fazia na primeira metade dos anos 80. Faixas como Véio Manco E Gordo, CC De Com Força, Crumis Odamis e Wipe Out são de uma velocidade incrível, chegando mesmo a lembrar um pouco o Ratos de Porão dos tempos do Crucificados Pelo Sistema. Dá pra crer? Mas a banda não esqueceu suas raízes "ramônicas" e destila o estilo em Poquito Más, Bonita, Nariz de Doze e, para quem tinha dúvidas das influências da banda, fazem uma versão maravilhosa para Ramona, batizada de Pequena Raimunda. O disco tem ainda outro cover, Oliver's Army, de Elvis Costello, que o Raimundos conseguiu deixar com cara própria. O CD fecha com duas músicas interessantes: primeiro, a pesadíssima Baile Funky, que parece um daqueles grupos thrash cadenciados dos anos 80, acrescido de triângulos típicos dos Raimundos e backing vocais hardcore. Depois, vem Bass Hell, uma barulheira esquisita cheia de samples, scretches e palavrões. Desnecessária, mas divertida. Resumindo: Lapadas Do Povo é nada menos que um dos melhores lançamentos de 1997, Dúvida? Então, ouça.

Discografia

Raimundos (94), Lavô Tá Novo (95), Cesta Básica (Box especial/96), Lapadas do Povo (97).



Fernando Souza Filho





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