segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Revista Trip - Ano 12 - nº 69 1999


Na folga de seu plantão, o soldado Arthur Veríssimo ciceroneia os Raimundos num rolê pelo puteiro mais chique do Brasil.

Por Arthur Veríssimo


Canisso

Às margens da avenida Bandeirantes, na Zona Sul de São Paulo, fica localizada a casa de relax e sauna (ic. hiphiphurra), ou melhor, bordel de espetáculos e puteiro de classe A, batizado Bahamas. O templo de Eros é extremamente manjado pelos pafúncios, fazendeiros do brasilzão afora, maurícios abandonados, cantores de sertanejo e pagode bem sucedidos, jogadores de futebol e garanhões sedentos por sacanagem e mulher gostosa e bonita. Havia marcado um apontamento com o creme de la creme da contravenção do rock tupiniquim, os Raimundos. À meia-noite cravada, a campainha tocou na porta de casa. Era a gangue em adiantado estado de euforia e embriaguez. No interior do comboio, apresentações à parte, os autores do fenomenal sucesso popular "Puteiro em João Pessoa" lançaram em jogral um mantra raimundiano: "Olha Arthur, sou casado. Vê direito o que você vai escrever, certo".

Nunca havia pisado no Bahamas e nem sabia ao certo onde se localizava a grutinha dos prazeres. Conheço pelas minhas andanças e viagens diversos inferninhos e red light zone mundo afora. Agora, ser escalado para acompanhar e observar o grau de testosterona e libido da moçada foi para mim o clássico "Killing Joke". A caminho do babado, perguntei para o motorista se sabia o local do crime. O sujeito, com um olhar de Rony Cocegas, respondeu "É perto do Kilt, Wagon Plaza, doutor?". Primeiro, doutor é a benga e, segundo, va fan culo, testa de catiso. Porra, ninguém tinha idéia do local. Nossa expedição era de marinheiros de primeira viagem - eu de capitão Hadock, o parceiro rabugento de um grupo de cinco Tintins curiosos. Sosseguei a impaciência e a ansiedade e lançei "Vamos para a Bandeirantes que é por ali". Batatolina: mal viramos na avenida e as seis cabeças hipnotizadas captaram neons caribenhos do Bahamas. Uivos e demonstrações de virilidade ecoaram no furgão. Dezenas de carros importados faziam a fachada do "BH".


Paninhos e camisolas sumárias


Digão

Fomos recebidos por uma recepcionista didática e objetiva. "Vocês já conhecem o sistema da casa?". O jogral raimundiano timidamente respondeu "Não". A tiazinha, com um olhar de preceptora de colégio interno "adventista de sétimo dia" (já estudei lá), finalizou: "Custa 71 reais para entrar com direito à sauna, banho e roupão. Vocês recebem uma pulseira com um número. Para beber, e caso queiram utilizar nossas suítes no andar de cima, a hora custa 51 reais. Passou disso, é o dobro. O preço para fazer um programa com as meninas vocês decidem com elas, ok?". Boa Sorte.

Na porta, uma multidão de camisas Richardís se mesclava com gravatas recém-engomadas, paletós Giorgio Armani e Ermenegildo Zegna. Fivelões e botinhas de cowboy aceleravam o passo e batiam os casquinhos (em festa de rodeio não é bom ficar parado - o novo sucesso pentelho do maleta do Leonardo ecoava). Ao meu lado a esquadrilha da fumaça dos Raimundos, de bermudões e camiseta vencida, destoava da (aarrghhh) elegância. Imagine o encontro de Beavis e Butt-head com os engomadões da novela da Globo. Pois é, foi mais ou menos isso que aconteceu. O transe dos garanhões e pangarés foi absolutamente total. No interior, de cara, o que vimos foram quatro dúzias de gatas alucinantes cobertas por paninhos e camisolas sumárias. O nosso grupo rapidamente se esquivou dos nobres elegantes e se encaixou num canto esperando uma mesa vazia. Estado de choque diante do mulherio sarado com aquela típica carinha de anjos devoradores e safados. Os primeiros 15 minutos são de tirar o fôlego, cai a pressão no ato. Ficamos embasbacados diante do mulherio de primeira. Se segura peão é o lema.


Fred

O ambiente prima pela perfumaria típica de um Free Shop. A galinhada masculina solta as penas pra cima dos filés e pacotões femininos. Nada escapa do olhar fulminante de Rodolfo e companhia. À medida que o tempo foi passando, a descontração se instalou na moçadinha. A mulherada chegava junto para conversar e pedir autógrafo. Tentação carnal pululando diante dos sentidos. O Bahamas, cumpádi, é o maior contingente de capas de revistas já vistas pelos meus olhos. A capa do mês de dezembro da Club International tem uma conversa delirante com a capa da Hustler de fevereiro. Ao meu lado, a página central da Private de setembro me lança olhares fulminantes que até fariam Clovis Bornay rever seus apetites e desejos sexuais. KILOCURA!


Mui mui amabiles

Daniel e o mala do Leonardo é o som que toca nos speakers. A mesa de sinuca é uma verdadeira alucinação. Digão com o taco na mão parece um centurião da Roma antiga. Enquanto isso, Canisso, Fred e Rodolfo esperam a vez na mesa observando o vai e vem de suculentos pernis. O clima, por incrível que pareça, é tranquilo e alto astral. Na maioria dos bordéis desse mundão que Deus criou, a vibe é sempre carregada e envuduzada. No BH, além da decoração brega-chique, as garotas de programa são mui mui amabiles. Também, pudera: a média do soldo mensal das gurias gira em torno de 4 000 reais para a mais pobrezinha, e uns 15 000 pra top bombástica. Fora os presentinhos dos amantes, estilo carro importado, apê e viagens ao exterior.


Rodolfo

As libélulas e mariposas chegam junto na boa pra conversar. Um manjar interplanetário de nome Michelle acoplou na minha mesa. Papo vem papo vai, ela me explicou cheia de sedução que nos dois andares de cima do Bahamas existem diversas suítes. "Vamos nessa, faço um strip-tease que você nunca viu na vida." Fiquei completamente embaraçado. Ela complementou: "O que você acha da Vanessinha minha priminha (capa de outubro da Internacional) ir junto com a gente fazer uma susu?". Sacanagem, pegando pelo lado fraco masculino a tal da Michelle queria me enlouquecer e foder com a reportagem e meu casamento. O fotógrafo desta reportagem (Christian) havia desaparecido por mais de uma hora. Perguntei para o Canisso cadê o Christian. "Porra, brother, vi o cara saindo da sauna de roupão branco e subindo as escadas feito um míssil". Fui averiguar as suítes. Não achei o cara, mas vi quartinhos com espelhos por todos os lados. São mukifos kistchs bem parecidos com os hotéis de Amsterdã e Hamburgo. Até na privada existe um refletor de perequita.

Voltei para o meu assento próximo à mesa de bilhar. O mulherio vai se revezando pelas mesas. É inacreditável a quantidade e qualidade das beldades. O drinque predileto entre elas é o licorzinho 43 que sai 18 reais a dose. Cervejinha, my brother, está na faixa dos 10 cascalhos, e um hi-fi custa 25. Jogar um bilharzinho sai 5 contos cada 15 minutos. Ficamos acertando bola na caçapa por duas horas. Quando percebi, olhei o Fred e ele já dormia ao lado do Canisso. Christian havia aparecido com o seu indefectível roupão branco. Os salões do BH já estavam vazios. Sobreviviam dois pafúncios querendo arrastar três gaúchas angelicais para casa. O que sobrou na área era o batalhão dos Raimundos e a petulante e deliciosa Valéria, que ganhava todas as partidas de sinuca. Garçons e faxineiros limpavam as sobras do chão e ajeitavam cadeiras. Às 4h25 da madrugada pagamos as contas e voltamos feito anjinhos do pau oco para nossas respectivas casas. Cheios de sonhos eróticos e atarantados.


Revista Trip - Ano 12 - nº 69 - 04 - 99


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