sábado, 15 de maio de 2010

Raimundos, 10 anos de HC - 1999 - PARTE II


Lapadas e mudanças

Em 97, os Raimundos começaram a preparar o terceiro álbum, mas os compromissos agendados e o inesperado sucesso de “Cesta Básica” atrasaram os trabalhos. Além de shows que não param de rolar, inclusive com a banda passando até mais de duas vezes com a tour em determinados lugares, o Raimundos participa da gravação dos álbuns de Rita Lee e do Camisa de Vênus.

É só no segundo semestre que “Lapadas do Povo” começou a ser efetivamente trabalhado, de novo com a produção de Mark Dearnley, mas desta vez todo gravado no exterior. A banda tece comentários de que “Lapadas” seria o seu trabalho mais pesado, e com menos escrachos e palavrões. Daí a manutenção de Mark na produção.

Lapadas do Povo” já da o ar da graça em “Andar Na Pedra”, com um riff típico de metal, ultrapesado, de fazer inveja aos bons tempos do Suicidal Tendencies, com direito a um grande solo de Digão, outrora limitado a palhetadas distorcidas. Hardcores rapidíssimos marcam presença com “Véio, Manco e Gordo”, “CC de Com Força” e “Crumis Ódamis”. Não há realmente espaço para as tradicionais baixarias (“Ui, Ui, Ui” é a exceção), mas a presença da temática nordestina continua firme, como se vê em “Poquito Más (Healthy Food)” e em “Nariz de Doze”. A novidade é a cover de “Oliver’s Army”, de Elvis Costello e a versão para “Ramona”, que aqui virou “Pequena Raimunda”. Com “Lapadas do Povo”, basicamente um álbum crossover, o Raimundos se confirma no mercado como uma banda madura, entrosada e cometendo um dos trabalhos mais bem produzidos do ano.

A tour do novo álbum começou mal. Após um dos primeiros shows, em Santos, em novembro, um tumulto causado pela falta de organização do clube local (poucos acessos, portas trancadas) deixou mais de 100 feridos e resultou na morte de sete fãs. O detalhe é que os músicos só ficaram sabendo do ocorrido quando estavam no hotel, e o pior é que toda a grande mídia, com é de costume, deu ênfase ao fato, prejudicando, de certa forma, a imagem da banda. O quarteto se sensibilizou com o episódio e suspendeu temporariamente a recém iniciada tour.

O ano de 98 começou com a notícia da renovação do contrato com a Warner para mais cinco álbuns, estabilizando mais ainda a carreira do Raimundos. A essa altura do campeonato, os quatro candangos freqüentam não só os estúdios das rádios rock e da MTV, mas todos os maiores e mais populares programas de TV: Jô Soares Onze e Meia, Ratinho Show, Programa Livre, H, Raul Gil, Xuxa Hits, e por aí afora. A popularidade e a aceitação da banda crescem tanto que, de repente aparece na TV um comercial da Rider (grife de chinelos), com Raimundos ao fundo. Era a música “Nana Neném”, uma espécie de canção de ninar hardcore, que foi lançada em single, em agosto passado, junto com “Reggae do Manêro”, inédita até então. O ano terminou com a participação do Raimundos em dois shows da tour do Iron Maiden e Helloween, em São Paulo e em Curitiba, onde, como de costume, a banda foi bem aceita, embora sendo um público de metal.

A volta ao começo, uma década depois

Entre fevereiro e março de 99, os Raimundos se enfiaram no Estúdio AR, no Rio de Janeiro, para a gravação do quarto álbum, “Só No Forévis”. A idéia da banda era meio que voltar um pouco ao trabalho do começo, fazer um som parecido com o do primeiro álbum. Para tanto, voltaram a recrutar Carlos Eduardo Miranda para a produção, mas dessa vez em parceria com Tom Capone e Mauro Manzoli. “Só No Forévis” terá doze músicas, sendo duas covers, uma do Little Quail e outra do Filhos de Menguele, a antiga banda do guitarrista Digão. Isso sem falar em algumas faixa bônus, já gravadas, mas não reveladas pela banda (veja a lista a seguir), e nem pela gravadora até o fechamento dessa edição. Outro detalhe ainda não divulgado é como vai ser a capa do álbum, mas já se sabe que vai ser com uma foto (não uma ilustração), e o trabalho está a cargo de Luís Stein. Como se ainda fosse pouco, a lista de participações especiais vai desde Bi Ribeiro, dos Paralamas do Sucesso, do Los Djangos, até o vocalista Alexandre, do Nativus, e Gustavo Black Alien, do Planet Hemp.

Confira agora, como serão as músicas de “Só No Forévis”, uma por uma, na relação que o vocalista Rodolfo preparou, de memória, com exclusividade para a Rock Press:

Mata o Véio” lembra... pô, me dá vontade de andar de skate quando eu ouço essa música. Parece comercial do Hollywood, música de extreme games. Ela fala um pouco da televisão brasileira;

Alegria” é uma música do Filhos de Menguele. A gente resolveu gravar essa música porque ela tem a letra mais do c* que eu já vi, é do Telo, aquele bicho doido que já compõe com a gente há 500 anos;

Língua Presa” eu fiz a letra com o Telo também. É um hardcore ligado, só que cantado por caras que têm a língua presa. Nessa música apareceu o pessoal do Los Djangos, e eles fizeram uma vinhetinha de introdução;

Aquela” é do Little Quail, que a gente resolveu regravar porque é uma música linda, e uma música linda dessas tem que ser revivida;

Me Lambe” é um skazinho maneiro, que até o Bi tocou um baixo nela, e ficou demais, cara. É uma letra meio sacaninha;

Carrão de Dois” é um hardcorezinho meio melódico, mas não é nessa linha do hardcore da Califórnia não, é um melódico brasileiro. É uma música besta que fala de um carro movido à bafo no vidro;

Fome do cão” é a única música que tem uns forró no disco, a gente mesmo gravou uma zabumba, triângulo. Essa música é irada, quem fez a letra junto comigo foram os caras do Rumbora, lá de Brasília (nova banda do baterista Bacalhau, ex-Little Quail). Essa é uma das músicas mais maneiras do disco;

Deixa Eu Falar” é o tipo uma música que fala de poder falar o que quiser. Essa música é meio uma jam, quem cantou fui eu, o Gustavo Black Alien e o Alexandre, do Nativus. Foi legal, que eu não dei letra pra ninguém, cada um chegou e fez a sua parte. Ficou demais, cada parte ficou a cara do cara que fez. A parte do Gustavo é boa demais, ele é um dos melhores rappers que tem no Brasil, e já tem vários discípulos;

Boca de Lata” a gente gravou meio rap. Quem fez a música foi o Nuts e o Zé Gonzales. Eu roubei o povo do D2, roubei todo mundo;

A Mais Pedida” ficou linda, e quem cantou nela foi a Érika, do Penélope Charmosa. Ficou linda a bichinha;

Pom Pem” é uma música besta que fala de uma menina da cidade que foi pro mato e adorou. É a música mais doida do disco, com partes bem malucas;

Mulher de Fase” é a música mais bonita que a gente já fez. O nome dela era “Linda”, depois a gente mudou. A gente gravou até uns violinos. Eu vou ver se eu faço uma versão só com voz e violino pra mandar pra minha mãe. A bichinha sempre pede: “Meu filho, faça uma música que dê pra eu cantar”. E essa dá, vai fazer a véia chorar. Com violino então, até o meu pai vai chorar.

Fred: de fã a integrante do disco

Depois da mini tour que o Raimundos fez com o Helloween e o Iron Maiden no final do ano passado, o baterista Fred atendeu a Rock Press para um bate papo em uma livraria em Ipanema, zona sul do Rio. Fred falou sobre as mudanças no som e na temática da banda, sobre o mercado internacional e contou algumas curiosidades desses dez anos de carreira. Com vocês, o mais carioca dos Raimundos:

- Houve uma mudança de som e nas letras do “Lavô Tá Novo” para o “Lapadas”. Por que isto ocorreu?

Mudança eu não sei se rolou, eu acho que teve uma busca maior em termos de qualidade. Sempre teve aquele negócio que "ah, a banda é muito legal, só que tem um som nacional", e a gente não acreditava nisso. A gente achava que uma banda nacional poderia também fazer um som no mesmo nível, e talvez não tenha interpretado direito, soando de uma forma diferente. Além disso, foi um disco muito corrido, a gente só teve uma semana para fazer o “Lapadas do Povo”. O primeiro disco é mais baseado nos hardcores. O “Lavô Tá Novo” tinha um rock mais pesado, arrastado. O “Lapadas” tem hardcore e rock mais pesado. O forró a gente queria não deixar de lado, mas escolher uma outra forma de fazer isso.

- O “Lavô” foi o que vendeu mais, certo?

Foi, mas não tem explicação. Quando o pessoal da gravadora escutou a primeira música, “Tora Tora”, a feição das pessoas era, tipo "o que é que nós vamos fazer com esse CD?" Eles não sabiam por onde começar a trabalhar. Eles nunca tinham trabalhado um disco daquele. E foi o que mais vendeu. O número de vezes que as músicas tocavam nas rádios era impressionante. E o “Lapadas” perdeu um pouco disso, tocou bem menos em rádio. Mas isso é bom.

- Por que? Você acha que dá um tempo na mídia?

Dá. Teve uma vez que eu fiz uma entrevista para o Jornal da Tarde e saiu uma manchete enorme "O sucesso do Raimundos é prejudicial ao rock brasileiro." E embaixo, em letras menores, no sub-título, "segundo o baterista da banda Fred..." O editor foi sensacionalista nisso. O que eu quis dizer pra ele foi o seguinte: se o Raimundos viesse com o “Lavô tá Novo” e o “Lapadas do Povo” fosse a mesma coisa, poderia acontecer como tá acontecendo com muitas bandas. Tem uma hora que, se não surgir nada da novo, cansa. E se a gente usar a mesma fórmula, vai virar uma comédia, uma piada contada duas vezes.O “Lapadas” foi muito importante nesse ponto.

- Qual a relação que você vê entre a diminuição dos elementos de forró no “Lapadas” e o aumento de espaço lá fora?

Lá fora falam muito ainda de forró, apesar deles não conseguirem identificar direito. Mas quando você explica, o forró nada mais é que um repente. E o rap também é um repente. O “Lapadas” tem músicas que a gente não entende como não estouraram. Eu gosto de escutar música na rádio. Esse papo de "eu não gosto de sucesso" é mentira.

- Mas tem vezes que cansa ficar tocando em rádio 24 horas por dia. Não acha que tem risco de saturar o público?

Se for uma coisa de livre e espontânea vontade da rádio, não me incomoda. Agora, se eu souber que tem uma carga de grana por trás por esta música está estourando... Música tocando na rádio é sinal de mais show.

- Voltando à diminuição do forró no “Lapadas”, não acha que isto pode ter jogado a banda num lugar comum, tipo, só mais uma banda de rock?

Tem isso. Antes de sair de Brasília eu vivia falando pro resto da banda "vamos parar de falar nesse negócio de forrócore porque isso vai vir pro resto da vida", e não deu outra. A gente tinha um texto que dizia que, apesar de toda a mistura, o Raimundos não passava de uma boa banda de rock. O “Lapadas” sobreviveu como uma boa banda de rock. Eu gosto muito do primeiro e do segundo, mas considero o Lapadas o disco mais importante da gente até agora. Demos um ponto. O maior medo que a gente tem é chegar no décimo disco e aí ter que repensar toda a carreira. Isso a gente tá fazendo agora no terceiro.

- O “Lapadas” ter saído diferente foi espontâneo ou programado?

Tinha uma idéia de fazer alguma coisa mais pesadona. E de tanto a gente falar, acho que o público acreditou que ele era muito mais pesado do que ele é mesmo. A gente acreditou nisso também.

- E como está a aceitação dos discos no exterior?

Como artista estrangeiro que canta em outra língua, tem sido legal. Porque lá funciona bem diferente. Aqui existem os selos das gravadoras, que funcionam mais ou menos como uma gravadora mesmo. Lá, não. Lá a gente é do Bruto, que é da Draw, que é da Wishwesh, que é da Warner Bros. Um sub selo de um sub selo do selo da major. E isso funciona maravilhosamente bem.

- Os álbuns foram lançados na América Latina?

Não, porque a gente não tem ido com o acordo de gravadora com gravadora como foi o “Lavo”. Ele foi um acordo da Warner do Brasil com a Warner da Espanha. Depois que o “Lavo” foi lançado, as coisas começaram a acontecer e rolou um interesse desse selo Bruto em nos contratar.

Enquanto o “Lavô” pode ter sido encarado como um disco de rock em outra língua, mas com o diferencial de ter elementos de música brasileira, é possível que o “Lapadas” seja encarado como apenas mais um disco de rock cantado em língua estrangeira. Você acha que isso atrapalha ou ajuda?

Isso que você tá falando a gente escutou também lá. Eu não posso te responder direito porque a gente não entendeu direito como é o mercado de lá. Mas o “Lapadas” já vendeu mais que o “Lavo”. A verdade é que nosso grande interesse ainda é ter o nosso mercado aqui. Se rolar lá fora, tudo bem, mas eu quero é que role aqui.


- Bem, o Raimundos está fazendo 10 anos de carreira e eu gostaria de aproveitar o momento para saber algumas curiosidades sobre a banda. Qual foi o primeiro show do Raimundos que você viu?

Eu estava no primeiro show do Raimundos! Foi no reveillon na casa do Gabriel, do Little Quail. Eu tocava em duas bandas nessa época: Zona e Rock e os Billies. O meu pai sempre gostou muito dessa onda de ser baterista. E na época, eu falei pra ele que se existia uma banda em Brasília que iria fazer sucesso era o Raimundos. Aí ele falou: "Por que você não entra no Raimundos?" E eu respondi: "Pô, eu nem conheço os caras!"

- E qual foi o primeiro show que você tocou com eles?

Foi no Jogo de Cena no Teatro Garagem, em agosto de 92. Porque eu já fazia parte do Raimundos acústico, era eu no tambor, zabumba, banco... o que tivesse na hora. O Rodolfo no triângulo e na voz, o Celsão, que era do Filhos de Menguele, no baixo e o Digão no violão. Depois pintou esse negócio de voltar o Raimundos. Mas o Digão estava naquela de não querer tocar bateria porque tinha problemas de audição. A banda usava uma bateria eletrônica, e no show em Goiânia, a bateria eletrônica deu errado. Foi quando o Rodolfo e o Canisso falaram: "Vamos chamar o Fred. Desde que a gente parou que ele enche o saco pra gente voltar". Aí eles me chamaram.

- Qual foi o melhor e o pior show dos Raimundos?

Um show que eu não gostaria de ter feito foi o de Santos. O show foi maravilhoso, um dos melhores shows da gente. De repente, você chega no hotel e recebe uma notícia daquelas. Acabou o show numa boa mas as pessoas não conseguiram chegar em casa ilesas. Esse foi o melhor e foi o pior. Um show que a gente não vai esquecer nunca.

- Qual foi a coisa mais esquisita que aconteceu com vocês na estrada?

Teve uma vez que rolou uma tarde de autógrafos em Goiânia. Eram cinco mil pessoas dentro do shopping. Nesse dia, fui só eu e o Rodolfo. Foi o maior esquema: todo mundo de rádio, cada um num carro, muita segurança. Quando a gente tava chegando eu peguei o rádio e falei pro Rodolfo ir primeiro, porque vai todo mundo pra cima dele e eu vou direto pra loja. Quando o Rodolfo entrou, eu comecei a sair, mas eles sacaram que tava um em cada carro e foi todo mundo pra cima de mim. Os seguranças ficaram com medo que pessoas quebrassem a loja e mandaram que tirassem a gente o mais rápido possível. E pra gente sair armaram todo um cordão e fizeram um coque no meu cabelo. Nessa, romperam o cordão e arrancaram o coque, o cabelo... Quando a gente tava chegando perto do carro, o segurança destravou a porta, e as outras destravaram também. Parecia “A Volta dos Mortos-Vivos”! Pessoas entrando por todos os lugares do carro.

- Como você imagina o Raimundos daqui a 10 anos?

Eu imagino o Raimundos daqui a 10 anos, como um trabalho. Eu vou estar com os cabelos completamente brancos. Daqui a 10 anos o Canisso vai estar com 43, eu com 36, Digão com 38 e o Rodolfo com 36. Caramba, Rolling Stones total! Cara, se eu chegar aos 50 que nem os caras dos Stones tá beleza. Eu consigo imaginar a gente tocando daqui a 10 anos.

CONTINUA...


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