sexta-feira, 24 de abril de 2009

Entrevista - Rofolfo Abrantes - 2002

Ex-vocalista dos Raimundos celebra mudança de vida em seu novo álbum, à frente do grupo Rodox.

Entrevista concedida a Marcos Marcal, do Clique Music, no dia 11/03/2002.



Ninguém entendeu nada quando Rodolfo Abrantes, então vocalista dos Raimundos, anunciou que sairia de um dos mais bem sucedidos grupos de rock brasileiro dos últimos tempos. Cansado da rotina de incorporar um personagem com atitudes e posturas que não condiziam mais com sua realidade, o rapaz causou polêmica ao admitir que sua vida mudou. Motivo: teria supostamente largado todos os seus vícios e se convertido a uma seita evangélica.

Como não poderia deixar de ser, isso foi prato cheio para que parte imprensa fizesse a festa com sua imagem. De um dia para o outro, o ex-vocalista dos Raimundos foi, de certa forma, tachado como maluco por rasgar dinheiro ao renegar seu passado e se tornou motivo de chacota em paródias envolvendo seu nome, spams e toda uma variedade de zoações que criticavam sua postura em relação a esse gênero "libertário" que é o rock’n roll. Mas a fé de Rodolfo não se abalou, ele aproveitou o período de reclusão para descansar e agora retorna com o fruto de todo esse período de reflexões e mudanças de comportamento: o CD Estreito (Warner), álbum de seu novo projeto Rodox – banda que formou depois de toda a confusão com os parceiros Marcão Ardanuy (guitarra), Patrick Laplan (ex-Los Hermanos e atual Biquini Cavadão, no baixo), o baterista Fernandão (ex-Korzus) e o DJ Bob (comparsa de primeira hora na nova empreitada).

O som não difere muito de seu trabalho com os Raimundos, a diferença está no discurso. A bolacha reúne doze músicas que falam dessa nova fase na vida do ex-vocalista daquela banda sacana e desbocada, algumas com veladas referências religiosas. O Cliquemusic aproveitou o lançamento do disco para um bate-papo telefônico com Rodolfo, no qual ele fala de suas motivações para este novo trabalho, da bagunça que a mídia fez em sua vida há pouco tempo, sobre a estigmatização e os estereótipos de sua imagem de cristão e da atitude camicase de largar um dinheirinho certo por idealismo, entre outros temas. Vale lembrar que no país das rádios rock fajutas e em uma época na qual a maioria de bandas nacionais se esforçam em seguir a cartilha para se dar bem num meio em que qualquer zé-ninguém é chamado de "artista", a vida real que a hardcura de Rodolfo mostrou à audiência roqueira nada mais é o outro lado de uma mesma história, geralmente abafada por todo glamour que envolve a ilusão e o encanto apelativo do mundo pop. Confira e tire suas próprias conclusões!

Cliquemusic – Como você está lidando com essa idéia de montar uma banda que acabou não participando do processo criativo de seu disco? Como está rolando a interação com esses músicos novos?

Rodolfo – Eles eram caras que eu já sabia como tocavam, tínhamos contato e eram pessoas que eu já admirava, sabia que tinham a ver com o trampo. O pessoal recebeu o CD já tem um bom tempo, tiraram todas as músicas e estão bem empolgados com o projeto. É legal porque, já que eu gravei boa parte do disco sozinho, só vou ver ele tomar vida real quando o som rolar ao vivo. É como um processo, de etapas após etapas, com diferentes níveis de empolgação.

Cliquemusic – Inclusive a estréia do Rodox vai ser no Abril Pro Rock, certo? Vai rolar alguma surpresa? Algo além das músicas do CD?

Rodolfo – Nosso repertório é todo o Estreito, mas se pintar alguma cover legal nos ensaios ou se compusermos alguma música nova, pode rolar alguma novidade. Seria uma decisão a ser tomada em conjunto, porque agora, com a banda reunida, é melhor tomarmos as decisões todos juntos, levando em conta o que temos em comum. Mas posso adiantar que todo mundo está se divertindo, é legal você tocar uma música que realmente gosta. Não são apenas músicos contratados, é uma banda!

Cliquemusic – Está rolando uma certa tendência de parte da galera do rock nacional como você, o Chorão (Charlie Brown Jr.) e o Bê Negão (Planet Hemp e ex-Funk Fuckers, em vias de lançar seu primeiro álbum solo) seguindo uma linha de abordar temas espirituais em algumas letras de música...

Rodolfo – É uma coisa natural e se isso está rolando é porque as pessoas hoje em dia estão buscando uma evolução, mesmo que inconscientemente. Estão tentando fazer melhor os seus trabalhos e também crescer, acho isso muito válido. Aquela música do Charlie Brown Jr. (Lugar ao Sol) é linda e o Chorão conseguiu retratar tudo isso de uma forma muito legal. Acho muito bacana esse tipo de iniciativa porque você coloca esse discurso na boca da galera. O mundo espiritual é uma coisa que existe e uma palavra declarada pela nossa boca tem muito poder – só não temos a noção de quanto isso é assim. E quando as pessoas começam a cantar coisas boas, positivas, isso automaticamente faz bem para todo mundo.

Cliquemusic – Você percebe, no momento, uma certa estigmatização da sua figura como um evangélico? Como é que você está lidando com esse estereótipo associado à sua figura, a forma como parte da imprensa vem te retratando?

Rodolfo – Dá para sentir o preconceito das pessoas, muita gente é assim. Você fala que é evangélico e o pessoal já te imagina de terno, com uma Bíblia debaixo do braço pregando nos ônibus. Imaginam um cara que não vê TV, não ouve música e é cheio de restrições em relação a comportamento – do tipo "não pode isso, não pode aquilo" . E considero isso até uma visão bastante antiquada do que é ser cristão; basta ter Deus no coração e na sua vida. Jesus veio para te dar liberdade e não para te escravizar. Então é uma coisa que vai justamente de encontro a isso, as pessoas são muito preconceituosas. Mas já estou acostumado com isso, já fui discriminado por várias razões: por ser tatuado, por falar palavrão nas músicas, por usar brinco, por ser nordestino... Então isso não é novidade para mim! E é engraçado porque quando eu estava lá na estrada da autodestruição, todo mundo batia palmas. E depois que virei cristão, todo mundo começou a falar que eu estava louco. Rola aí uma certa inversão de valores e posso dizer que existe muita gente mais louca do que eu por aí dando uma de normal (rindo).

Cliquemusic – Você receia que seu discurso possa ser interpretado de forma equivocada pela galera?

Rodolfo – Acho que é um disco bem claro, quem ler as letras e ouvir as músicas pode entender perfeitamente – depende de como a pessoa vai querer enxergar aquilo. Tem gente que é preconceituosa e já vai achando ruim antes mesmo de ouvir. E quanto a isso, não se pode fazer nada! O disco está solto aí e aberto a qualquer interpretação. Li algumas matérias que já saíram e alguns jornalistas dizem que não tem nada a ver com aquilo que se especulava porque o disco não é evangélico. Agora tem outras matérias que dizem que o disco é mesmo o que se esperava porque é evangélico. E o disco é um só, mas aí cada um interpreta de uma forma. Acho que, a partir do momento que um álbum é lançado, cada pessoa que ouvir vai interpretar como quiser. Tem gente que entende, outras pessoas não entendem – assim como também tem gente que não quer entender. Vejo claramente referências evangélicas apenas em Cegos de Jericó (N.R.: petardo hardcore com referências da ideologia cristã na letra), o resto fala de mudanças de vida naturais a qualquer tipo de pessoa, de qualquer crença. Não preguei ali em nenhum momento, simplesmente dei a minha versão aos fatos.

Cliquemusic – E como reafirmar suas convicções na fogueira das vaidades do universo pop, muito ligado a futilidades e à exaltação da imagem? Já deu para obter um retorno concreto dessa mudança sentida no teu álbum ou ainda é muito cedo para se falar disso?

Rodolfo – Pois é, agora que estamos começando a fazer nosso trabalho, estão saindo as primeiras matérias. O disco foi lançado há menos de uma semana e ainda é muito cedo para que eu possa avaliar os resultados. Mas posso dizer que exposição excessiva foi uma coisa que nunca me agradou, isso interfere na sua vida e varia de pessoa para pessoa. Tem gente que lida muito bem com isso e gosta de viver nesse meio ao ponto de cultivar esse tipo de postura. Mas não é o meu caso! Gosto de poder andar na rua sossegado, de ter uma vida normal e acho que muito assédio atrapalha tudo. Me incomoda chegar para jantar em algum lugar e todo mundo ficar me olhando. Então posso dizer que atualmente tenho controle sobre o que vou fazer e meus objetivos estão bem definidos, assim como a atitude do grupo, já que não temos muita gente com opiniões diferentes envolvidas. Então está rolando uma maior tranqüilidade e acho que teremos condições de fazermos nosso trabalho da forma que imagino.

Cliquemusic – Você adotou uma atitude anti-comercial ao abandonar sua antiga banda para tentar novos caminhos. Você não receia o perigo de entrar numa sinuca de bico, comercialmente falando, ao encarar essa mudanças de temas e de sua postura de vida?

Rodolfo – O CD nasceu de uma brincadeira minha com o DJ Bob. Estávamos na casa dele e iríamos fazer uns hip-hop e acabaram saindo uns hardcore com influências de música eletrônica. Não rolou a intenção de fazermos um Cd e, se tivéssemos alguma intenção comercial, eu não faria este trabalho. Não toco por dinheiro, faço isso por diversão porque está na minha alma mesmo. Acho que se rolasse intenção comercial, o trabalho tomaria outro rumo. Considero que meu projeto já deu certo a partir do momento que consegui gravar o CD falando das coisas que queria, fazendo o som que estava a fim. Trabalhei com as pessoas que gostaria, conseguindo um resultado final de qualidade e com uma boa produção musical. Então na minha opinião, o trabalho já deu certo! Está louco quem pensa em fazer um som desse pensando em ganhar dinheiro e ficar rico. Isso nunca vai acontecer! De qualquer forma temos shows marcados e acredito que existe um público inteligente no Brasil. Tudo bem, a maioria das pessoas tem preconceito, mas também tem uma grande parte que não é assim. Quem curte som pesado vai poder ouvir e perceber que ali tem um bom disco de som pesado ali. É uma parada com a qual eu não me incomodo muito, estou bem confiante e acho que nos garantimos quanto à parte musical.


Pedro Frasson

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