quarta-feira, 23 de junho de 2010

Raimundos, 10 anos de HC - 1999 - Parte III


Rodolfo: Um Peão do Rock

Empolgado com a gravação de “Só No Forévis”, Rodolfo atendeu à Rock Press com uma simplicidade às vezes difícil de se encontrar em bandas do mesmo porte que o Raimundos. Além de falar sobre o gravação em si, ele revelou também seu projetos para o mercado fonográfico brasileiro, e para revitalizar a cena rock de Brasília. Com vocês, um legítimo peão do rock:

- Como foi a gravação do disco novo?

Foi o bicho cara, foi a gravação mas maneira do mundo. De todos os discos da gente, foi o mais alto astral, clima bom, as músicas saíram fácil, foi gravado até num tempo bem rápido, um mês e meio.

- Por que vocês resolveram dessa vez fazer o álbum todo no Brasil?

Porque lá fora foi a maior merda do mudo, eu não gosto dessas paradas de sair fora, não...

- Você acha que o “Lapadas” ficou ruim?

Não é que ficou ruim, mas é aquele negócio, você dá uma festa, compra comida pra c*, a melhor cerveja da terra, e não estão os teus brothers ali. Não tem ninguém, você dá uma festa pra você. A gente gravou, não teve nem participação de ninguém, tava todo mundo isolado, todas as músicas foram feitas lá... Eu não gosto de sair do Brasil, não, eu gosto daqui e fiquei triste lá.

- Mas fazendo uma comparação, a produção lá de fora é tão boa quanto a nacional?

O resultado em termos de música foi muito bom, eu gosto do “Lapadas” pra c*, é um disco porrada pra cacete, eu acho que a gente conseguiu o som que a gente queria naquele disco. Mas esse foi muito mais astral, as músicas estão muito mais legais, mais peão...a produção aqui fechou o time, esses caras são os caras.

- E como é que está em termos de letras, as sacanagens estão de volta?

É uma questão de momento, eu nunca forcei essas paradas, não, elas sempre saíram numa boa. Esse tem umas sacanagenzinhas, mas eu não penso muito nisso, não. O fato de eu estar mais em casa, fez com que saísse mais esse tipo de coisa.

- E o som, como é que está?

Continua a mesma porrada, mas tem umas músicas mais bonitas. Tipo assim, não tão hardcore, aquela gritaria. Tem uns hardcores mais cantados. Rápido pra c*, mas cantado. Tem mais melodia nesse disco. O “Lapadas” é muito falado, as músicas são muito rápidas. Nesse cada música tem mais melodia, e tem umas músicas gritadas também. Esse disco tá variado pra c*. Saca aquela viagem do “Lavô Tá Novo”? Cada música é de um jeito naquele disco, e esse tá assim, mais ou menos do mesmo jeito, bem variadão. Mas tá peão do mesmo jeito, a mesma coisa.

- Como é ser “peão do mesmo jeito”?

Cara, peão, é porque a gente é peão. O Raimundos chamou a atenção quando apareceu porque era peão. Na definição da mídia tinha aquele negócio do forró, de duplo sentido, sacanagem, não sei lá o que. Isso é pra gente é “peãozisse”. Tipo assim, pra você ver o que eu estou te falando, o “Lapadas” é um disco que não é muito peão, é legal pra c*, mas não é peão. Esse tá mais peão, tá peão demais até.

- Pode ser considerado um retorno às origens?

Total, só que numa nova fase. Não é uma parada que vem tipo, um outro Raimundos, é o mesmo Raimundos. Lembrando o antigo, mas é novo. Nesse disco as músicas estão muito bonitinhas, umas músicas maneiras da porra.

- As músicas foram todas feitas no estúdio, ou vocês já tinham alguma coisa pronta?

No “Lapadas” a gente sofreu, muita música foi feita lá. Agora, quando a gente começou a ensaiar, já tinha umas quatro feitas, o Digão já tinha vários riffs gravados, neguinho já cheio de idéia. Entramos no estúdio e já estava tudo pronto... Só faltavam três letras que saíram assim, sem fazer a menor força. Foi maravilha, esse disco foi o maior relax. Ainda mais que foi na frente do surf (o estúdio AR fica na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, a uma quadra da praia). Era todo tia: chegava no estúdio, um surfezinho antes de gravar, um surfezinho depois. Qualquer meia hora que você dá uma caidinha e já vale teu dia.
Não rolou de fazer uma surf music, colocar uns riffs tipo Dick Dale?

Rapaz, não sei não, mas tem umas guitarras muito loucas, uma viagens...Você falou uma parada legal, o surf com certeza influenciou esse disco sim. O Digão também tá á pegando altas ondas.

- Você tocou nesse disco?

Eu toquei duas guitarras só. Porque eu componho muito junto com o Digão. A gente sempre dá opinião em tudo pra todo mundo se amarrar em tudo. Não é tipo “a guitarra é a sua parte, faça ela”. A maioria das guitarras que eu iria gravar, seria a mesma coisa da guitarra do Digão, e ia embolar o som, porque seriam duas pegadas diferentes. Então ele grava tudo, e aquela que tem alguma coisa que teria que fazer ao vivo mesmo, eu fui lá e gravei, só com o som da minha guitarra, sem nenhum efeito.

- A banda acaba de fazer dez anos, já vendeu muitos discos... O que você acha?

Tô velho pra c*... Eu tô amarradão, eu agradeço a Deus todo dia, de poder fazer uma parada que é o meu hobby. Me dá satisfação pra c*. O resto da batalha a gente tá aí mesmo, pra lutar, passar por cima dos problemas, e continuar.

- Porque que você acha que poucas bandas nos anos 90 se deram bem?

Eu acho que tem muita banda boa que não se deu bem. Eu acho que a coisa começou legal pra c*, selos independentes... Essa é a alma da parada. Com a volta de novos selos, vai voltar a ter bandas legais. Uma gravadora quer pegar um produto que já venda, uma coisa certa, quer ter retorno, porque é uma multinacional. Tudo isso é compreensível. As bandas precisam dos selos independentes, porque eles deixam elas fazerem o que elas querem. Aí dá qualidade, não vira um lance de padrão de rádio, uma banda pra vender. Eu tô até lançando um selo, com um amigo meu lá de Brasília.

- Então abre o jogo...

Chama Domingas Discos, e a gente tá lançando um disco nosso, uma bandinha em que eu tocava antes do Raimundos, o Royal Straight Flash. O disco já está pronto, eu vou lançar dois discos no mesmo mês, isso é muito f*.

- E qual é o som?

É um hardcore bem doido, falando de maldades. O Evandro faz umas letras muito doidas, e eu só toco guitarra. O CD já está lá em casa, são mil cópias. É uma parada que ninguém faria. O Domingas Discos vai ser uma grande empresa. Tipo assim, se você quer lançar alguma coisa pelo Domingas, você chega lá e paga metade, a gente paga metade, ai chegam os discos cada um fica com a metade, vende sua parte e pronto. Sem contrato, sem p* nenhuma. É uma parada pelo movimento. Pra banda que não tem nada, ela chega e já sai com o CD. É uma parada pela parada, não é por grana.

- Como estão as bandas lá em Brasília?

Brasília é uma cidade que gera tanta coisa boa, mas todo mundo rala de lá! Ainda tem um monte de moleques tocando lá. É que tem pouco selo, e o pessoal que tem potencial, faz as paradas e sai. Devia sair, arrebentar, voltar e pregar alguma coisa para a cidade crescer. Não tem local pra se tocar em Brasília. Na nossa época, tinha um espaço f*, chamado Teatro Garagem. Tinha show de pelo menos cinco bandas. Foi na época que saiu a gente, o Little Quail, o Maskavo, Oz, Low Dream, DFC, Os Cabelo Duro... Era banda pra c*, e rolava uma cena. Tinha uma galera no jornal que dava força, que era a mesma que trabalhava no rádio. Você fazia um show, tinha matéria no jornal, sua música de demo tocando na rádio junto com a do Metallica e a do Caetano Veloso. Por isso meu próximo plano e montar uma casa de shows lá, no mesmo estilo do Domingas, juntar mais uns doidos, um dinheiro, e comprar um imóvel. Porque tem esse defeito, a parada acontece, dura três meses, e acaba. Por isso tem que ser imóvel próprio.

LÍDER DO LITTLE QUAIL FOI ANFITRIÃO DO PRIMEIRO SHOW

“Foi uma festa de reveillon que foi feita lá em casa. Os meus pais viajaram, eu decidi fazer a festa escondido, tirei todas as coisas da sala. Era uma sala bem grande, eu morava numa casa mesmo, não era um apartamento. Nós montamos o palco, e a galera foi assistir. O Raimundos abriu o show, depois tocou Little Quail e fechando foi Os CabeloDuro”. É assim que Gabriel Thomaz, na época guitarrista e vocalista do Little Quail explica como foi o primeiro show do Raimundos, na passagem do ano de 88 para 89. “A formação era diferente, era o Digão na bateria, o Rodolfo na guitarra, tinha o Titi, que é o cara que fez “Selim”, nos vocais e o Canisso no baixo. O Fred eu acho que nem estava lá, ele tocava no Zona”.

Naquela época, todas as bandas estavam em início de carreira, todos eram amigos e queriam fazer alguma coisa diferente do rock caracterizado como “dos anos 80”. “O Little Quail é exatamente da mesma época do Raimundos, todo mundo tinha banda de hardcore, mas sem aquelas regras de ser punk, e ter que fazer isso, ser punk e ter que fazer aquilo. A gente era uns moleques, zoação total, queria fazer umas coisas diferentes”, comenta Gabriel.

Com essa atitude, é de se estranhar que o Raimundos tenha começado como uma banda de covers, mas Gabriel explica: “O Raimundos no início era Ramones Cover, só que tocar Ramones não era uma coisa muito comum naquela época, as bandas tocavam U2. E aí eles começaram a pegar una forrós que o pai do Rodolfo ouvia e botar numa versão bem Ramones, com os forrós em cima. Ficou uma coisa muito engraçada, muito boa de ouvir”. Assim germinava o que mais tarde toda a mídia brasileira iria chamar de forrócore, ou “peãozisse”, com prefere o vocalista Rodolfo.

Na época, a recém formada banda quase não fazia letras, mas a intenção de fazer zona e não levar a coisa muito a sério foi crucial para as primeiras composições: “O troço do palavrão começou depois, o pessoal achava muito estranho. Tanto o Raimundos quanto o Little Quail era uma coisa muito anti-cabecismo, que dominava total na terra de onde veio Legião Urbana e Osvaldo Montenegro. A onda era essa, falar besteira, porque tirar onda de ser inteligente a gente achava uma merda, tirar onda de poeta a gente achava que era coisa de mané”, completa Gabriel.

Das bandas que tocaram nesse show, só mesmo o Raimundos conseguiu atingir o sucesso do mercado brasileiro nos anos 90. Os CabeloDuro tem uma respeitável carreira no underground, e o Little Quail, depois de gravar dois álbuns, encerrou suas atividades. “O Raimundos fez a coisa certa na hora certa, tiveram muita sorte, coisa e tal”, justifica Gabriel, que agora está à frente do Autoramas, trio que faz um trabalho voltado para a surf music. “Eu acho que é muito bom o Raimundos existir, é uma banda de hardcore que entrou nas paradas, vendeu disco de platina em todos discos que eles lançaram, e quebraram um monte de barreiras”, finaliza, com propriedade.

BANDA DECRETOU PADRÃO BAIXARIA PARA A GERAÇÃO DOS ANOS 90

No mundo pop é assim, nada se cria, tudo se copia. Qualquer grupo que chega ao topo das paradas, arregala os olhos do mercado, que sai à caça do novo ícone, dentro dos moldes do anterior. Nos anos 90, a incansável busca do novo Nirvana, ou ainda da nova Seattle, foi uma constante.

No rock brasileiro não poderia ser diferente, pois são as mesmas gravadoras, os mesmos esquemas, o mesmo sistema. Assim, os padrões “engraçadinho” (na cola dos Mamonas Assassinas), “maconheiro sangue bom” (do Planet Hemp) e a “baixaria nordestina” (pregado pelo Raimundos) se proliferam de norte a sul do país. Com o fim precoce dos Mamonas e a perseguição política ao Planet, só sobrou a baixaria do Raimundos. O resultado foi drástico. Milhares de bandas tentando descolar uma nova forma de misturar forró com rock (mesmo em estilos mais conservadores como o heavy metal), e de escrachar com mulher de uma forma geral, atingindo níveis de mau gosto nunca antes alcançados. Até algumas bandas com carreira internacional consolidada caíram no erro de misturar (ou maquiar) as tais “influências brasileiras”, como o Angra e o Sepultura, por exemplo.

E o problema não era só o uso do palavrão, fato comum no rock em qualquer lugar do planeta. O problema é como o termo chulo é utilizado, em geral gratuitamente, revelando um péssimo gosto, do ponto de vista estético. O primeiro álbum do Raimundos é um exemplo típico, e espalhou essa semente em toda uma nova geração de fãs e, por conseguinte, de bandas.

Entupiu-se os escritórios das gravadoras e as redações das revistas especializadas com todo esse lixo. Algumas bandas chegaram ao lançar trabalhos por grandes gravadoras, mas a grande maioria, é óbvio, não conseguiu ir em frente, não só por uma questão do mau gosto em si, mas sobretudo por se tratar de um sub produto de outro grupo, a falta de criatividade plena.

BANGUELA MOSTROU O CAMINHO PARA OS SELOS INDEPENDENTES

Criado pelo jornalista e produtor musical Carlos Eduardo Miranda, em parceria com parte dos Titãs (o primeiro entrava com as bandas, e o segundo com a grana), o selo Banguela foi o primeiro no cenário nacional a conferir uma certa viabilidade para o lançamento de novas bandas a custo reduzido e com distribuição por uma major, no caso a Warner, a mesma gravadora dos Titãs. A idéia foi tão boa que boa parte das grandes gravadoras passou a apostar nos novos selos, principalmente os regionais, dado o tamanho do nosso país. A Sony criou o Chaos, que acaba de completar cinco anos, a BMG ressuscitou o Plug, e a Polygram possui um verdadeiro cast de pequenos selos dos estilos mais variados, que já lhe rendeu artistas como Zeca Balero, Júpiter Maçã e Acabou La Tequila, entre outros.

Mais ainda, mostrou a viabilidade (ainda não consolidada) de se erguer um mercado para bandas e estilos de pequeno e médio porte, sem a necessidade de altos investimentos, e tampouco, de grandes astros. Provou que uma banda pode sobreviver no mercado sem vender milhões, mas sendo a profissão de seus integrantes.

O que a Banguela não conseguiu foi convencer a Warner (e nem as outras majors) disso. Resultado: num processo antropofágico, a Warner digeriu o sucesso do Raimundos, e deixou de lado todas as outras bandas do selo, que teve que acabar. Essa é uma questão até hoje mal esclarecida, não se sabe se existem problemas legais ou mesmo jurídicos, mas boa coisa não foi.
A versão oficial dá conta de que o contrato com a Warner foi rescindido, e o novo cast da Banguela teria passado para a Excelente Discos, de propriedade de Miranda, inicialmente distribuído pela Polygram (atual Universal), e depois pela Abril Music.
À frente do Banguela, Miranda capitaneou o maior número possível de bandas novas, mas não teve o apoio da Warner para lançar todas, como a Graforréia Xilarmônica, o Liguachula, e o sem número de bandas que participaram das três coletâneas lançadas pelo selo.
O mais importante, porém, é que a partir daí gravadoras independentes pipocaram por todo o país, ampliando o mercado e os horizontes da mídia. O Banguela cumpriu o seu papel. Que cada novo selo também faça a sua parte.


FIM!

5 comentários:

  1. Mano, que massa, sou muito nostálgico, gosto de ficar fuçando blogs pra ver fotos sntidad.. achei esse seu por acaso, pesquisando imagens da camiseta do Rodolfo usada no MTV ao vivo, quero mandar fazer uma igual está, Curti muuto

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  2. Se bem que essa postagem e de 2010 né...vai saber se vc ainda entra awui.. ou, vai que vc na até morreu AI MEU DEUS TO FLANDO CCO UM MORTO

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  3. Hoje, 20 de agosto de 2019.. faz mais de um ano que falo com mortos

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  4. HAUAH olá, Guga! quase nunca entro por aqui. Comentei com um amigo sobre esse blog e ele me mostrou seu comentário.

    Faz tempo que não dou uma passeada pelo blog, mas tem muita coisa legal. As fotos e as entrevistas são a melhor parte, na minha opinião.

    um abraço!

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