segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Metal Head - Ano III nº 22 - Fevereiro de 1998


Raimundos - Porrada sonora!

O grupo de Brasilia chega ao quarto disco provando que ainda tem muita lenha para queimar. Confira tudo nas palavras do baterista Fred!

Como vcs chegaram ao título Lapadas do Povo?
Fred: Era uma coisa assim, que a gente sentiu que o som deste disco estava mais coeso, quem escutasse faixa a faixa iria receber uma lapada bem no meio do ouvido, na cara mesmo. E Lapadas para povo porque a gente vendeu muito disco, era para o povão mesmo, para a galera que compra o nosso disco.

Esse é o quarto disco?
Fred: Seria o quarto considerado em discografia da banda, mas na verdade ele é considerado como o terceiro de carreira. O Cesta Basica foi um projeto. Não foi um cd de carreira. Foi um projeto que a gente fez tudo aquilo que a gente queria, sem compromisso com nada, Ter que fazer música. Queríamos gravar umas coisas que a gente gostava de tocar, de outras pessoas, registrar uma coisa muito legal, que foi o Holywood Rock para a gente.

Mas o Cesta Básica vendeu bastante?
Fred: Ele acabou vendendo como um disco de carreira. Acho que deve estar na casa de duzentos e poucos mil.

Isso é bastante em termos de Brasil.
Fred: Mas a caixa foi limitada. A principio só iria vender 20 mil cópias, e acabou. Só que a gente não tem só 20 mil fãs. Então lançamos produtos separados, porque a caixa seria para quem tivesse condição, ou aquele fã mais louco que vai ter o negócio e falar "pô, eu sou fã mesmo, eu tenho a caixa". Mas ao mesmo tempo a gente colocou os produtos separados para vender separado, para quem quando tiver grana vai lá e compra. Agora, a verdade de início a gente não teve essa visão. É muito egoísmo nosso lançar só para 20 mil fãs. Então nós lançamos 20 mil caixas mas os produtos você encontra separado.

Como a banda está encarando o sucesso hoje?
Fred: A gente encara numa boa, não pensamos muito nisso, não. Nós somos um bom vendedor de disco, mas é estranho, só vivendo pra falar. Não muda nada. Tem gente que muda, mas não sei nem porque. Continua a mesma coisa.

Vocês já pararam pra pensar numa explicação porque vocês fazem tanto sucesso?
Fred: Não sei. Na época em que a gente apareceu tinha uma carencia muito grande de uma galera mais nova que de repente não viveu os anos 80, quando teve o primeiro boom do rock nacional, e tinha uma carência de alguma coisa nova para seguir junto com as pessoas que vinham dos anos 80. Eu acho que a gente deu muita sorte na época de estar no lugar certo, fazendo a coisa certa, na hora certa, e a gente apareceu. Acho que é meio por aí.

Mas vocês já estão com 4 discos mantendo o sucesso.
Fred: A gente está mantendo e está legal. É bom manter.

Sim, mas me diz uma banda que tem 3 discos que são sucesso total.
Fred: Skank

Não, estou falando de rock pesado!
Fred: Aí você me pega... (risos). Mas o sucesso deles é muito legal, porque é legítimo anos 90. A gente precisava acompanhar, eu acho que os anos 90 estava devendo bandas para acompanhar as bandas dos anos 80, saindo do aspecto rock pesado. Agora esse rock pesado eu realmente não sei.

Porque o Raimundos continua pancadaria total.
Fred: Nós fazemos o que gostamos. Eu lembro quando trocamos de gravadora e as pessoas falavam, "xi, eles foram pra Warner, agora fodeu, os caras vão ficar fazendo musiquinhas para agradar". Só que aqui na Warner nunca teve isso. Até as músicas de sucesso que a gente fez, é porque tinham alguma coisa a ver com a gente. Tem esse lado brincalhão mesmo, desde o primeiro disco, numa gravadora independente.

É, dá para você perceber que não é uma coisa assim comercial, feita pensando no sucesso. É do jeito que a música saiu.
Fred: Isso é muito legal. Nós nunca tivemos problemas com nada. A única coisa que o nosso diretor artístico pede é para que sejamos sempre Raimundos.

E com essa bagagem de estrada já tem um estilo Raimundos? Deixando as influências de lado, já tem alguma coisa própria?
Fred: Deve ter. Eu sou suspeito para falar porque estou dentro da banda. Quando estava voltando de Los Angeles, eu coloquei a fita do novo disco para uma molecada escutar no walkman e eles falaram: "Pô, é a cara de Raimundos". Eu acho que a gente tem uma coisa legal, por mais que uma música possa parecer com uma do Ramones, quando começa a cantar voce percebe que é Raimundos. A gente tem uma cara própria até quando tem as influências na música.

De repente vocês estão sendo até escolas para bandas que estão começando?
Fred: Tem muita banda que até fala isso. Eu recebo muita demo-tape que o pessoal fala geralmente que se espelhou na gente. E isso é legal, é uma coisa muito gratificante.

E como é fazer som pesado com letras sem censura e conseguir com que as músicas toquem nas rádios?
Fred: Eu não sei. Eu acho que a mentalidade mudou um pouco. Desde o cara que faz a programação da rádio, mudou um pouco. Hoje em dia é mais facil. Eu lembro que no primeiro disco da gente foi muito dificil. Emplacamos a musica Selim, que todo mundo fala que é comercial... A música pode ser comercial, mas a letra, nunca! Nós fomos perseguidos até pela polícia federal, em Santo Angelo, no Rio Grande do Sul. Acho que é porque a gente falou de ânus e vagina. Se a gente falasse boceta e cu, ninguém iria nos perseguir. Mas falamos o nome científico da coisa e deu merda. Por que estão perseguindo o Planet Hemp? Eles distribuem maconha nos shows? Não distribuem, eles estão lá cantando. Vai quem quer. São aquelas coisas que você não entende. E mesmo assim elas tocaram nas rádios. É muito louco se você for pensar nisso. Temos tudo aquilo para não tocar nas rádios mas mesmo assim toca. É ponto para quem faz esse tipo de som. O primeiro disco da gente foi dificil. Uma coisa que melhorou muito nossa música tocar em rádios foi quando o Mamonas Assassinas surgiu. Eles faziam quase a mesma coisa e conquistaram a criançada, então não tinha como não tocar. E outras bandas que de repente tem letras mais picantes também conseguiram tocar nas radios.

Eu me lembro que no primeiro disco vocês estavam dormindo em hotel pulguento e essas coisas. E como é que está hoje? Já está todo mundo com o boi na sombra?
Fred: A vida melhorou com certeza. Mas não está assim, não. Rico a gente ainda não ficou. Mas assim, eu tenho a minha vida, ainda não tenho apartamento próprio, ninguem no Raimundos tem apartamento proprio ainda. Mas tenho um carro que é novo, alugo um apartamento, moro num lugar legal. Mas nada que possa dar o luxo de falar "na hora que eu quiser parar de trabalhar e abrir um comércio", aí já me limita demais. Estou vivendo bem. Super bem só quando eu comprar o meu apartamento. Aí vou ter onde morrer, um lugar meu. É gratificante voce fazer o que gosta e conseguir sobreviver disso. Agradeço a Deus por isso.

O Raimundos é uma das poucas bandas de rock pesado que tem uma estrutura legal para shows.
Fred: O mercado de show é muito dificil. Se voce não tiver alguém por traz para maquinar essa parte, fica difícil. E desde o início nós tivemos pessoas que queriam nos ajudar. Até hoje, nossa agência está sempre correndo atrás. A gente é uma banda de estrada, muito do que a gente conquistou foi na estrada. Dava a cara a tapa. Fizemos uma turnê duas vezes no nordeste enquanto que tinha banda que não ia lá há cinco anos. Chegamos a ir de van de São Paulo até a Bahia, e ficar pingando, com o equipamento atrás, neguinho dormindo um escorado no outro, e depois fazer Fortaleza, Belem, de ônibus de linha, 24 horas de viagem, sem saber se chegando lá o show iria acontecer realmente. Acho que é por isso que conseguimos fazer uma turnê legal hoje em dia, porque a gente nunca ficou parado esperando as coisas acontecerem. É todo mundo novo, cheio de saúde, vai ficar sentado engordando? Apesar que eu estou engordando até na estrada, mas ficar sentado só engordando é fogo.

Vocês já tocaram com várias bandas internacionais. Já aconteceu de vocês serem fãs de uma banda e os caras deram uma de rock star?
Fred: Acho que rolou uma coisa com o pessoal do Suicidal. Um roadie chegou e pediu autógrafo em todos os CDs, e no meio tinha um CD pirata gravado na Itália, e o Mike Muir se recusou a autografar e foi até meio grosso. Deve ter sido só isso, mas não tiro a razão dele ter ficado puto. Um que eu pensei que fosse super antipático, e não é, é o vocalista do Smashing Pumpkins. O cara ficou batendo papo, e eu sempre pensei que fosse uma bicha, chatíssima. (risos)

Você vê algum tipo de futuro para as bandas brasileiras de metal?
Fred: Ficam dizendo que o metal morreu... O metal não morreu porra nenhuma. Agora, é um mercado difícil. A gente tem um costume muito estranho de som da época, do som da moda. Mas essas bandas sobrevivem. Uma banda que eu não entendo é o Dorsal Atlântica. É do caralho, acho que se der uma chance para o pessoal escutar, tudo muda.

Você tem saudades de Brasília?
Fred: Tenho, eu fui criado lá. Na minha época era muito legal, não sei como é hoje para uma criança ser criada lá. Eu fui criado largado, era assim com todo mundo da minha época. Tinha os prédios, a galera, ficava brincando o dia inteiro, e quando a mãe queria que subissemos, dava um grito da janela.

E você tem saudades dos shows undergrounds de lá?
Fred: Tenho. Tudo o que foi bom e é bom a gente lembra com carinho. Tudo foi válido, Brasília é uma cidade muito legal. Pena que a imagem que passa de Brasília é que lá só tem político ladrão, mas as pessoas esquecem que os políticos que vão roubar lá não são só de lá, eles vem do país inteiro roubar lá. Aí quem leva a culpa é quem mora lá. Vem político de todos os lados roubar lá, e todo brasiliense é político ladrão? A gente escutou isso a infância inteira.

E para finalizar qual seria a mensagem do Raimundos hoje?
Fred: O recado da gente é muito rock'n'roll, fazer o som e mostrar, matar a cobra e mostrar o pau. Eu quero ver cada vez mais a galera fazendo um som.


Metal Head - Ano III nº 22 - Fevereiro de 1998


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